Resenhas de Livros Infantis: Reinações de Narizinho

Aline Chiaregato Monte Santo

Reinações de Narizinho 

São Paulo: Brasiliense, 1961
19ª edição

 

No livro Reinações de Narizinho, escrito em 1931, Monteiro Lobato utiliza o plano do maravilhoso para escrever a narrativa. Espaço fora da realidade comum, onde os fenômenos não obedecem às leis naturais e decorrem da fantasia ou do sonho, reportando a mundos mágicos onde tudo se resolve por meios sobrenaturais, ou seja, o espaço do maravilhoso é tudo aquilo que foge à realidade concreta.
Podemos dizer também que o maravilhoso deste livro faz com que todas as leis e regras do mundo real sejam alteradas. O interessante é que para os personagens, que nasceram e vivem num mundo real (ainda que nem todos sejam “reais”), tudo também é possível, inclusive aos olhos dos adultos, como no episódio em que Dona Benta e tia Nastácia depois de constatarem que a boneca Emília falava como um ser humano passaram a crer na possibilidade do impossível.
Narizinho dizia sempre: “Isso são sonhos de crianças”, mas depois que a menina fez a boneca falar, dona Benta ficou tão impressionada que disse para a “boa negra”: – “Isso é um prodígio tamanho que estou quase crendo que as outras coisas fantásticas que Narizinho nos contou não são simples sonhos, como sempre pensei”. “-Eu também acho, Sinhá. Essa menina é levada da breca. É bem capaz de ter encontrado por aí alguma varinha de condão que alguma fada tenha perdido… Eu também não acreditava no que ela dizia, mas depois do caso da boneca fiquei até transtornada da cabeça. Pois onde é que já se viu uma coisa assim, Sinhá, uma boneca de pano, que eu mesma fiz com estas pobres mãos, e de um paninho tão ordinário, falando, Sinhá, falando que nem uma gente!… Qual, ou nós estamos caducando ou o mundo está perdido…” .
Em Reinações de Narizinho tudo pode acontecer e é sempre tratado com naturalidade, o leitor entra na história de tal maneira que o fantástico acaba fazendo parte da realidade, permitindo sua aceitação.
Assim, o maravilhoso é tratado com maestria por Lobato, especialmente nesse clássico que é Reinações de Narizinho ao mesclar o real com o irreal de forma a fazer naturais todas as manifestações daquilo que só é possível no plano da imaginação ou da fantasia.

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha

Resenhas de Livros Infantis: Viagem ao Céu

Glaucia K. L. Maciel

 

Viagem ao céu

São Paulo: Círculo do Livro, v. 2, Col. Obra Infanto-juvenil de Monteiro Lobato. s/d.

 

Este livro foi publicado em 1932 e dá continuidade às peripécias que a turma do Sítio do Picapau Amarelo já vinha aprontando em Reinações de Narizinho (1931).

Em Viagem ao Céu, Pedrinho, Narizinho, Emilia, Tia Anastácia, o burro falante (Sr. Conselheiro) e o agora ressuscitado Visconde de Sabugosa, então renomeado Dr. Livingstone, partem em uma aventura para além do planeta Terra. Com a ajuda do pó de pirlimpimpim, os aventureiros iniciam uma incrível viagem pelo nosso sistema solar, tendo como guia “o pequeno Flammarion (Nicolas Camille Flammarion, astrônomo francês, 1842-1925), que é o epíteto que usam para designar Pedrinho, devido aos seus conhecimentos em Astronomia. Pedrinho não conduz somente os demais personagens nesta viagem celeste, ele também nos guia e nos oferece, de maneira simples, algumas informações sobre o universo que habitamos.

É uma obra que encerra um conteúdo utilitário – tradicional aos textos dirigidos às crianças – mas ao mesmo tempo irreverente; de forma que em muitas passagens a palavra do adulto no texto não é recebida como axioma, salvo quando esta palavra parte de Dona Benta. É perceptível a crítica (principalmente através da fala da boneca Emília) feita aos adultos que se dirigem às crianças como se estas fossem seres inferiores, desrespeitando-as como seres cognitivamente capazes.

E é justamente por respeitar o universo infantil com seu simbolismo próprio, que Monteiro Lobato consegue dar didatismo ao texto sem torná-lo maçante. É uma ótima oportunidade de levar às crianças temas astronômicos, geográficos, históricos, matemáticos e até míticos; além de uma ótima oportunidade de ampliar o vocabulário com palavras desconhecidas ou inventadas pelo próprio autor, como os crocotós dos extraterrestres. Os temas expostos pelas próprias personagens infantis deste livro mostram que estes são conhecimentos que estão ao alcance de todos, e que percorrer o nosso sistema solar na companhia dessa turma é batatal!

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha

Resenhas de Livros Infantis: Memórias da Emília

Jessica Maria da Silva

 

Memórias da Emília

São Paulo: Brasiliense, 1968, 122p.

 

Esta obra do consagrado autor Monteiro Lobato, cuja primeira edição foi lançada no ano de 1936, trata de uma espécie de resumo de algumas aventuras (ou “reinações” como o próprio autor define) encenadas pela turma do Sítio do Picapau Amarelo, com maior destaque para o caso do anjinho do céu.

O livro inicia-se com Emília, a boneca falante, resolvendo escrever suas memórias e relatando essa ideia a Dona Benta, avó de Narizinho e Pedrinho. Ao ouvir a pretensão de Emília, Dona Benta indaga a boneca se esta sabia o significado de memórias. A partir daí as duas envolvem-se em uma divagação acerca do que seria verdade e o que seria mentira, partindo do pressuposto de que os autores de memórias mentem para que elas fiquem mais interessantes, e concluem que “verdade é uma espécie de mentira bem pregada, das que ninguém desconfia”. Percebe-se aí uma crítica à sociedade como um todo, baseada em mentiras e interesses, tão comuns na época quanto o são hoje. A boneca é uma espécie de encarnação da antimentira, pois em nenhum momento aceita não falar a verdade, chegando muitas vezes a parecer mal-educada ou rude por dizer o que pensa. Emília não liga para as conveniências, fala aquilo que lhe vem à cabeça, sem medo de ofender.

Pode-se até discutir a forma como certas verdades devem ser faladas, mas não se pode negar que a boneca fala o que muitas pessoas pensam. Excetuam-se os casos em que ela transmite certas ideias preconceituosas a nosso olhar de hoje, porém, como se sabe, tais perspectivas devem ser inseridas no universo ideológico da época e contrastadas com outras mais avançadas em relação ao seu tempo (como o próprio comportamento questionador e irreverente da boneca). Tais perspectivas – ideologicamente aceitáveis ou não – podem ser utilizadas para mostrar aos alunos a historicidade e a efemeridade das ideias, ou seja, é um reflexo do pensamento da época em que o livro foi escrito e, portanto, aquilo que se apresenta preconceituoso é fruto da época e deve ser ultrapassado.

O fim da história do anjinho tem como principais heróis as crianças do sítio, por mais que Peter Pan os ajude, mostrando, assim, uma valorização do nacional pelo autor. A ideia de como salvar o anjinho das mãos do marinheiro Popey surge da cabeça brasileira de Emília, e a execução começa com o herói do sítio, Pedrinho. Nota-se também a importância do nacional quando Emília mostra a Alice (do País das Maravilhas) o valor do sítio: a personagem inglesa dizia à boneca que o país europeu era mais atrativo, porém foi convencida por Emília e pelos encantos do sítio do quanto nossas terras são mais belas e interessantes que as do Velho Continente.

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha

Resenhas de Livros Infantis: Geografia de Dona Benta

Thatiana Gonçalves de Andrade Prado 

 

Geografia de Dona Benta.

São Paulo: Brasiliense, 23a edição, 1993.

130 páginas

 

Geografia de Dona Benta ensina a ciência geográfica de forma divertida e faz parte da coleção de livros de literatura infantil do autor, conhecida e apresentada pela editora como “Paradidático”. A obra possui trinta capítulos, dos quais os cincos primeiros são destinados à explicação científica. Os outros vinte e cinco capítulos descrevem as viagens de “O Terror dos Mares”, um navio de faz-de-conta, onde as personagens embarcam para estudar a “geografia do mundo”. Nessa viagem, a geografia deixa de ser uma matéria de estudo penoso e às vezes sem graça para se transformar em uma aventura linda, com paradas em inúmeros portos e descidas em terra para ver as coisas mais notáveis de todos os países.

O livro é elaborado com uma linguagem simples e de fácil entendimento, utiliza-se de termos comuns às pessoas, para explicar vocabulário técnico e baseia-se em objetos conhecidos para explicar os desconhecidos, permitindo assim uma experiência de imersão no mundo das letras na qual o livro ganha vida. E o leitor, ao dar vida ao livro, adentra um mundo de magia e fascínio, um mundo imaginário capaz de suscitar as mais diversas emoções.

Lobato compartilhou com as crianças o projeto que elaborou para reestruturar o espaço geográfico brasileiro. Esse projeto estava pautado na industrialização, no trabalho eficiente, na exploração dos recursos naturais, na educação, na construção de uma identidade nacional, na democracia e em uma política territorial, visando a desenvolver o país e a melhorar a condição de vida da população.

A história tem seu desenrolar com a turma do Sítio (Dona Benta – ensinando Geografia –, Tia Nastácia, Emília, Narizinho e Pedrinho, Visconde e Quindim) embarcada em um navio chamado “Terror dos Mares” viajando por diferentes lugares do Brasil e do mundo para aprender Geografia “na prática”.

A viagem ficcional teve início pelos estados brasileiros e destacou os aspectos socioeconômicos e físicos desses territórios, enfatizando como os seus habitantes podem explorar os recursos disponíveis para alcançar o progresso. No Rio Grande do Sul, por onde começa a viagem, “uma das partes mais importantes, mais ricas e de mais futuro do Brasil. Tem todas as condições de clima e topografia para desenvolver-se cada vez mais. O povo é sadio e corajoso. E entusiasta. Um povo feliz. As culturas são variadíssimas; produz até trigo; e as indústrias se desenvolvem com muita força.“

Aproveitando a proximidade do Rio Grande do Sul com a Antártida, a turma do Sítio resolve visitar essa terra gelada, e ali Dona Benta explica o que são os polos e o clima que atua nessa porção do planeta. Depois seguem para o Mato Grosso, onde Dona Benta comenta que o petróleo pode conduzir esse estado ao desenvolvimento, mas alerta para a ineficiência de suas vias de transporte. A questão do petróleo invade as próximas páginas, trazendo para a narrativa a posição de Lobato sobre a exploração do petróleo no Brasil.

A tripulação chega a São Paulo pelo porto de Santos, a grande porta de entrada e saída das mercadorias do país. Na capital, as crianças se impressionam com a grande quantidade de fábricas e de veículos trafegando, oportunidade para a introdução da questão do combustível: “ O petróleo é o rei dos combustíveis modernos (…) Os Estados Unidos tornaram-se o país mais rico do mundo porque é de todos o que produz mais petróleo.” A comitiva segue rumo ao Rio de Janeiro, uma região que não conseguiu substituir o trabalho dos negros nas lavouras, “a região sofreu muito. Em certas zonas o sapé e a saúva tomaram contas das terras”. Depois de passarem por Minas Gerais, grande produtor de ferro, entra em foco o Espírito Santo e o Nordeste brasileiro. Aí comenta-se sobre as secas e suas conseqüências, e D. Benta sugere soluções, como a irrigação e o aproveitamento comercial do babaçu. Ou seja, apresenta-se uma explanação dos problemas da região com propostas de soluções viáveis e coerentes. A realidade do país é posta de forma clara aos olhos dos pequenos leitores.

Na apresentação da Amazônia, uma longa explanação sobre os recursos das águas e das florestas mostra a preocupação com a possível exploração da região, o que evidencia a idéia do autor de formar uma consciência ambiental nas crianças brasileiras. Em seguida Dona Benta apontou uma pequena faixa de terra que liga a América do Sul à América do Norte – era a América Central. Seguindo sempre para o norte, chega ao México, país para o qual Dona Benta não poupa elogios: “a nação mais interessante de toda a fieira de nações plantadas pelos latinos na América (…) Tem uma arte toda sua, pintura sua, música sua, cerâmica sua, arquitetura sua, costumes só seus (…)  Depois falou de Tampico, perto da qual se descobriram os primeiros poços de petróleo mexicano”. A Cordilheira dos Andes aponta a proximidade aos Estados Unidos, país para o qual não poupa rasgados elogios: “Esse país é a glória do continente americano (…), o maior em riqueza, em civilização e em poder”. Depois de muitos adiamentos, o “Terror dos Mares” conseguiu partir rumo ao Canadá. Um país pouco povoado. “É só gelo e mais gelo”. Logo chegavam à Groenlândia, à Ásia e ao Japão, um império que vem assombrando o mundo, a caminho de se tornar uma grande potência; em seguida passam pela Velha China, com direito a uma parada para uma pequena excursão, Oceania, Índia, vista como “um mundo dentro do mundo”, Mar Vermelho e África, Mediterrâneo e Europa com destaque aos pontos turísticos.

“O regresso do ‘Terror dos Mares’ ao Brasil realizou-se a galope.” O fim de uma longa viagem cheia de originalidade e imprevisto; na aula ministrada por Dona Benta, revela-se um projeto de nação que Lobato pretendia para o país: evidencia nosso potencial econômico e energético e apresenta ideias para uma política territorial, ao mesmo tempo em que desvaloriza (na figura de Tia Nastácia), explícita ou subliminarmente, o povo brasileiro em sua parcela menos favorecida economicamente.

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha

Resenhas de Livros Infantis: Viagem ao Céu

Tatiane Kaori Hirayama

Viagem ao Céu
São Paulo: Círculo do Livro, 1986. 75 p.

Viagem ao Céu conta a aventura das personagens do Sítio no espaço sideral, com riquíssimas informações sobre o universo, os planetas, o Sol e comparações com a Terra. Além dessas informações científicas, traz também um pouco de superstição, tudo regado a fantasia e humor.

A história começa no mês de abril, época preferida de todos do Sítio e das redondezas porque são proibidos de realizar qualquer tarefa, tornam-se lagartos ao sol, gozam do simples prazer de viver. Desse forma se critica, de certa forma, o ritmo que a sociedade vinha tomando à época – crítica que ainda hoje, diga-se, permanece perfeitamente cabível mesmo após muitas décadas, principalmente nas grandes cidades, onde é quase impossível ter tempo para contemplar a natureza e as coisas boas da vida. É num desses momentos de admiração que a história começa, quando Dona Benta conta aos seus netos, Emília e o Doutor Livingstone (o sabugo de milho), as maravilhas dos céus durante a noite, enquanto se aconchegam na varanda da casa.

Esta ação é o que incita as crianças a buscarem conhecer o universo mais de perto. Para isso, tinham posse do melhor meio de locomoção que existia: o pó de pirlimpimpim, pó mágico que transportava qualquer um que o respirasse para qualquer lugar. Partem então as seis personagens – Pedrinho, Narizinho, Emília, Tia Nastácia, Burro Falante e Doutor Livingstone – para a imensidão do éter.

Em cada lugar que caem – Lua, Marte, Via-Látea, Cometa Halley, Saturno e novamente Lua –, Pedrinho recheia a história com muitas informações e histórias de tudo o que os rodeava. São dados científicos, relatos históricos e lendas em todos os capítulos. Encontram-se até mesmo com São Jorge e seu dragão, ambos habitantes da lua, pois, de acordo com a lenda, o santo viveria seu pós-morte em uma luta eterna com uma feroz criatura.

A Viagem ao Céu é uma grande incursão para os alunos poderem aprender sobre nossa galáxia, seus planetas e constelações. As informações são trazidas de maneira fácil e deliciosa, apesar de não serem muito aprofundadas. O livro pode ser prazeroso e interessante para leitores de todas as idades e em qualquer contexto, pois enredo e personagens são apaixonantes e instigam a curiosidade de quem sabe pouco e também de quem sabe mais.

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha

Resenhas de Livros Infantis: A Chave do Tamanho

Dayane Poli Novais dos Santos

A chave do tamanho
São Paulo: Brasiliense. 42ªed. 86p.
(1ª edição – São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942)


A criança é capaz de refletir sobre a importância da sua vida, da sociedade em que vive e obter muitos conhecimentos científicos através da leitura de um livro? A obra “A Chave do tamanho” garante que sim.

Este livro de Monteiro Lobato mantém a característica própria do autor, que sempre procura ensinar às crianças os assuntos complexos das ciências de forma simples porém rica, sem banalizar os assuntos ou subestimar seus leitores.  Em suas páginas é apresentada uma grande diversidade de temas, como: a segunda guerra mundial, a teoria do evolucionismo e o ciclo da água. Além disso, instiga seus leitores a realizar pesquisas, buscando obter mais informações sobre assuntos muito importantes e interessantes que são rapidamente abordados, por exemplo: como os ninhos dos pássaros são construídos, quem seria o grande general de bigode (Hitler) e onde se localiza a Universidade de Princeton, local em que o construtor da magnífica Cidade do Balde (Pail City) lecionava enquanto tinha seu tamanho natural.

A humanidade vivia em meio à segunda e massacrante guerra mundial; por todos os lugares se divulgava a enorme quantidade de mortes e os sofrimentos do povo. Diante dessa triste situação, a personagem Emília resolveu salvar a humanidade. Com uma porção do superpó de Visconde de Sabugosa, ela chegou à Casa das Chaves e por não saber a utilidade de cada chave ali presente, resolveu desativar a que estava mais próxima de si: a chave do tamanho.

Com ela, todas as pessoas se tornam tão pequenas quanto os insetos. Animais inofensivos como cães, gatos e galinhas se tornaram verdadeiras ameaças aos humanos. O dinheiro, as armas e os bens materiais perderam totalmente o seu valor nessa nova organização mundial. A velocidade e a pressa, princípios de vida que predominavam entre os homens, tiveram que ser substituídos pela calma e paciência, pois, segundo Emília, o significado do viver reduziu-se a andar pelo mundo, zelar por ele e manter o estômago da população suprido… sendo assim, todos iam construindo as coisas por prazer e não só por necessidade.

Seria útil que o homem retornasse ao seu tamanho normal? Seria benévolo retomar a organização egocêntrica anteriormente estabelecida? Este livro escrito há mais de cinquenta anos traz reflexões ainda muito atuais e importantes para pessoas de qualquer idade.

por Giulia Ciavatta Postado em Resenha